O maior inimigo do peso saudável? A desinformação.
13 de outubro de 2020O maior inimigo do peso saudável? A desinformação.
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Em busca do emagrecimento, cometem-se muitos erros à mesa. Um engano é tratar a dieta como sofrimento, em vez de aprendizado.
Mais de metade da população está acima do peso. Uma medida fundamental para combater o problema é ter uma alimentação saudável. O desafio, porém, não se limita a conseguir ingerir a quantidade diária adequada de nutrientes e de água como preconizam os especialistas. Isso porque há muita informação incorreta e mitos à mesa dos brasileiros.
Em busca do emagrecimento, as pessoas se valem de opções que nem sempre são as indicadas para os objetivos de saúde de cada um. Isso inclui desde escolher alimentação vegana para perder peso ou optar pela gordura de coco, acreditando-se que seja benéfica por ser vegetal.
Outro erro comum é sofrer com dietas. Não precisa ser assim. Como explica a nutricionista Anitta Sachs, professora doutora da Universidade Federal de São Paulo, a dieta deveria ser uma forma saudável, gostosa e prazerosa de comprar, preparar e consumir alimentos.
Pergunta – Quais são as abordagens mais recentes para ajudar as pessoas a manter um peso saudável?
Anitta Sachs – Redução de consumo de açúcar e de sal e não utilização de alimentos industrializados. As recomendações são as mesmas de dez anos atrás, mas apenas uma pequena parcela da população, talvez 2%, consegue adotar as práticas. São Paulo é uma exceção. Mesmo assim, é uma minoria. Se você vai a um bairro mais afastado, vê nos pontos de ônibus e no metrô barraquinhas vendendo café adoçado, com muito açúcar, salgadinhos fritos. Eles são mais baratos do que fruta, do que água. Há refrigerantes populares muito mais baratos que um litro de leite. É uma minoria que pensa numa vida mais saudável. Até pela característica da nossa população: a falta de escolaridade, a condição social. Tudo acaba prejudicando a adoção dessas práticas. A gente pensa que está aumentando o número de pessoas (que busca ter peso mais saudável), mas não é a realidade brasileira. Tanto que se percebe, a partir de pesquisas epidemiológicas, um avanço muito grande da taxa de obesidade, de todos os níveis, de criança a adulto. E também há desnutrição do idoso.
P – Qual a prevalência da população acima do peso no Brasil? E qual o impacto da alimentação?
Anitta – Mais de 50% da população está acima do peso, com esse quadro sendo mais prevalente nas mulheres. Quando se fala em alimentação, tem tudo o que ela acarreta: preço de alimento, distribuição.
O sedentarismo também contribui. As pessoas falam “preciso aumentar a atividade física”, mas não são ensinadas a como fazer isso no dia a dia. Quem tem recursos pode ir à academia. Mas as pessoas menos esclarecidas que, muitas vezes, vivem em lugares perigosos não conseguem. A gente não pode simplesmente colocar a culpa nelas.
P – Ainda se deseja muito o emagrecimento. Mas, nestes tempos de redes sociais, há uma série de manifestações pedindo mais respeito às pessoas como elas são. Critica-se a gordofobia. O que as pessoas devem buscar?
Anitta – Devem procurar um profissional da saúde para se adequarem a um peso condizente com boa saúde – isso em termos individuais.
O peso não é só um valor numérico. É preciso pensar no emocional. Tem um estudo inglês sobre a prevalência do suicídio em cardiopatas que eram submetidos a dietas muito restritivas para controlar a gordura no sangue, o colesterol. Ele mostrou que essas pessoas morriam muito mais por suicídio, em comparação com aquelas que tinham uma vida normal, do que pela própria doença cardíaca. Então, o bem-estar emocional também é muito considerado. No consultório, tenho pacientes às quais prescrevo chocolate, pizza, hambúrguer. Alguém diria “que absurdo, uma nutricionista”.
Mas eu ganho do outro lado porque o indivíduo está satisfeito com ele mesmo. Assim, consegue adotar outras práticas saudáveis na alimentação e isso contribui para a perda de peso ou para o objetivo ao qual a gente se propôs. As pessoas se sentem acolhidas quando você toca na questão de poder ter prazer, de poder comer isso ou aquilo. Elas acabam se abrindo. Eu falo: alimentar-se não é só levar o alimento à boca. É muito mais.
P – Na alimentação do dia a dia, quais são os problemas que mais atrapalham? Quais os principais obstáculos para se ter um peso saudável?
Anitta – A propaganda enganosa. Muito paciente chega ao consultório e fala: “Só como creme de ricota”.
Eu pergunto se sabe como é feita a ricota. Falta informação correta. Existem mitos em relação aos alimentos.
“Eu só como carne com salada.” Mas isso é uma dieta saudável? O que vai acontecer daqui a um mês, dois, três meses? Pode até perder peso, mas e depois? Às vezes não é que falta informação. O problema é que a informação é incorreta. Isso é um obstáculo muito grande. São problemas para adoção de práticas alimentares saudáveis. Cada indivíduo tem uma necessidade específica. Em princípio, claro, recomendamos três refeições principais e dois ou três lanches intermediários porque isso facilita no sentido de ele ter menos fome e ter uma alimentação consciente.
Mas isso também depende. E se ele come duas vezes uma manga nos lanches intermediários? É uma fruta, né? Mas tem manga que equivale a três fatias de bolo. É preciso a orientação de um profissional da área, que tem o conhecimento mais adequado. Entre os obstáculos para quem está tentando perder peso está a falta de apoio da família, a crítica da família, a falta de tempo e motivação para preparar a alimentação. A mídia estimula muito o consumo de alimentos de alta praticidade, fáceis de se preparar, de se comprar, mas inadequados em relação aos nutrientes.
P – Da forma que se criou um desejo pelo emagrecimento, a dieta parece sinônimo desse ideal. Para uma nutricionista é uma coisa, mas e para as demais pessoas? Como elas entendem a dieta?
Anitta – Como sofrimento. Quando você começa a desmistificar, as pessoas ficam tão entusiasmadas que o processo de tratamento melhora muito com a adesão. Toda modificação é uma dieta. Acho que tem de abrir as expectativas: a dieta é para o resto da vida, mas não é um sofrimento. É aprendizado de uma forma saudável, gostosa e prazerosa de comprar, preparar e consumir alimentos. O grande objetivo é instrumentalizar o indivíduo para que, depois, ele se torne autossuficiente na escolha da sua alimentação.
P – Quais são as dietas famosas que chegam aos consultórios?
Anitta – Jejum intermitente; ingestão só de líquido por 24h; dieta da proteína; a da alimentação até as 18h, depois você não pode comer mais nada. Há coisas bem absurdas, como a ingestão de uma quantidade enorme de proteínas diariamente.
Já têm estudos mostrando danos à saúde. Um dos erros das dietas da moda é que você não aguenta seguir por muito tempo. Quando você a interrompe, acaba comendo tudo aquilo de que tinha vontade, de que gosta, e tinha cortado. Elas não ensinam a comer direito, há sobrecarga de alguns nutrientes, que leva a distúrbios neurológicos, a prejuízos da saúde física, além da mental, no sentido de que a pessoa muda a autoimagem ou fica muito irritada ou não consegue mais participar do ambiente social e se isola. São dietas que podem levar à anorexia ou à anemia. Sobre o jejum intermitente, há estudos publicados com a população muçulmana na época do Ramadã, em que a pessoa fica 12 horas, 20 horas sem comer. Quando acaba esse jejum, ele come muito mais do que comeria ao longo do dia. Na dieta só de ingestão de líquidos, ela não é só de água. É de líquidos hipercalóricos. Tem muito isso: “Estou usando tratamentos alternativos”. Muitas vezes são chás usados para emagrecimento. É preciso tomar cuidado com esses chás, que podem ser tóxicos, dependendo da procedência e do armazenamento.
P – Alimentos orgânicos, produtos veganos, “carne vegetal”, alimentos sem glúten e sem lactose. O que se sabe a respeito desses produtos que estão mais na moda?
Anitta – Se for para emagrecimento, na maioria das vezes os alimentos veganos são muito mais calóricos do que os não veganos. A mesma coisa vale para os produtos kosher, que, na maioria das vezes, têm muito mais gordura, mais açúcar do que o alimento convencional. Restaurantes vegetarianos utilizam muito mais gordura. A fibra é muitas vezes mais processada. E gordura é adicionada para dar sabor. Muitas vezes, se a pessoa não for monitorada em questão de saúde, pode perder nutrientes. Pode faltar vitamina B12, ferro, cálcio, proteína animal, cuja absorção é bem diferente da proteína vegetal.
Sobre a “carne vegetal”, primeiro que o termo é incorreto. É como falar leite de soja. Leite é produto da glândula mamária do animal. A “carne vegetal” está voltando à moda. Em torno de 1980 tinha um produto que usava PTS, ou proteína texturizada de soja. Faziam “carne moída” com a PTS. Isso é enganar o consumidor. “Eu estou comendo carne, mas é vegetal.” É uma informação incorreta. Teriam de pensar a melhor maneira de chamar esses produtos à base de vegetais, mas carne não é. Esse tipo de produto não tem todos os aminoácidos da proteína animal.
Além disso, é deficitário numa série de nutrientes presentes na carne, como ferro, vitaminas do complexo B. Ele não é substituto da carne. O vegetariano e o vegano têm de ter isso claro, que não é substituição, e que precisam complementar a alimentação de outras formas.
P – Quais são as dicas macro para podermos preparar uma alimentação saudável e que ajude na manutenção de um peso adequado?
Anitta – Utilizar diariamente três a cinco porções de frutas frescas. E hortaliças folhosas cruas. Qualquer folha crua. E outras hortaliças, folhosas ou não, pelo menos duas vezes por dia. Não deixar de ingerir leite ou substituto – como substituto do leite, tem queijo, coalhada e iogurte. Requeijão, creme de leite e manteiga são derivados, mas não substitutos. Preferir os alimentos desnatados.
Usar o mínimo possível de gordura para preparar alimentos. Gordura é óleo, azeite. Agora virou uma moda muito grande a gordura de coco. Está na moda porque é vegetal. Mas ela tem um poder muito grande de causar entupimento nas artérias. Então, não é saudável. De maneira geral, evitar muito óleo e gordura.
Evitar ao máximo as frituras. Caso queira consumir doce, um doce que agregue outros nutrientes. Por exemplo, um chocolate é um doce muito saudável. Pode ser pudim feito com leite, com ovo. Beber bastante água diariamente, em vez de sucos. Fala-se de maneira geral que, para adultos, são 2,5 litros. Mas, por exemplo, o corredor tem uma necessidade muito maior.